quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mário José dos Santos Fagundes
mariojsfagundes@yahoo.com.br


O LUGAR CONTROLADO

A diferenciação entre conceitos de lugar e espaço e o modo como Michel de Certeau os aplica em seus textos consiste no objetivo principal dos capítulos 03 e 04 da obra Cotidiano e invenção:os espaços de Michel de Certeau de Fábio B. Josgrilberg. Numa linguagem e percepções diferenciadas das comumente empregadas no curso de geografia, estes conceitos podem parecer confusos, para nós geógrafos.Entretanto, contribuem para uma ressignificação e/ou (des)construção dos conceitos geográficos de espaço e lugar, bem como para uma crítica epistemológica à nossas produções dentro da academia e das várias instâncias do nosso cotidiano.
O conceito de lugar controlado apresentado por Michel de Certeau se aproxima muito do conceito de território de Milton Santos em A natureza do espaço (2004). Para este último, território se materializa a partir das relações de poder entre o homem e o espaço; já para Certeau a noção de lugar indica um “lugar próprio” onde os elementos que o constitui estão organizados de forma estável. Um “lugar” organiza seus elementos um em referencia ao outro. Assim, dois elementos nunca podem estar na mesma localização. Cabe às estratégias (IBIDEM, p.59 apud JOSGRILBERG, 2005), ou aparato disciplinar (FUCOALT apud JOSGRILBERG, 2005) organizar o lugar. Certeau apresenta “estratégias” como a manipulação das relações de poder, o cálculo, em prol do controle e da disciplina se referindo à escrita (leis) como um grande modo de organização da sociedade.
Josgrilberg se utiliza Foucault para esclarecer a natureza das produções de Certeau. Inicialmente os trabalhos dos dois autores parecem imbricados quando o objetivo é reconhecer e suscitar as estratégias, o aparato disciplinar no objetivo de alcançar a estabilidade ou o aparato social. Ambos denunciam o desejo de disciplinar baseado em um poder, em conhecimento, divisões, controle de tempo e na organização de elementos dentro de um espaço. No entanto, a preocupação empregada por Certeau no tocante à rejeição do corpo a essas normatizações, ao grito, ao inesperado às possibilidades de resistência, o distância das formulações foucautianas.

O LUGAR PRATICADO

Dentro do lugar praticado os indivíduos constroem suas identidades aproveitando-se das brechas na estrutura escriturística de organização da sociedade, construindo assim um espaço paralelo, fruto dos usos e costumes do cotidiano.A esse modo de construir o seu espaço a partir de um espaço organizado Certeau denomina de a arte do fraco.
Vale salientar que estas duas dimensões do espaço coexistem e funcionam como uma espécie de corda bamba aonde o constante equilíbrio/conflito entre estratégias e táticas vai organizando os espaços.
As práticas cotidianas são criadoras da identidade do lugar, construindo, desconstruindo e reconstruindo os espaços. Em tempos de globalização, por exemplo, e de práticas de homogeneização dos espaços (SANTOS, 2008), a luta pelo poder através do controle do corpo, dos gostos, do pensar, traz, em contra partida, a emergência de ações contrárias à essas políticas e de usos cada vez mais diversificados das próprias técnicas homogênicas.O desemprego causado pela era dos shopings centers acaba por contribuir para a efervescência do comércio informal, a arte daqueles excluídos do projeto tecnológico de dominação do capitalismo global.
O controle total não existe, a liberdade total não existe.A máquina escriturística, a tecnologia não dominará plenamente o homem, pois este é carregado de experiências, vivências, necessidades e valores que contribuirão para a formação e defesa da sua identidade.

REFERÊNCIAS

JOSGRILBER,Fabio B.Cotidiano e invenção: os espaços de Michel de Certeau. Coleção ensaios transversais. São Paulo: Escrituras editora,2005.

SANTOS,Milton. A natureza do espaço.São Paulo:EDUSP,2004

______________. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.São Paulo . 15ª ed. Rio de Janeiro:Record, 2008,

Iê!!! Vamos passear pelo contexto da música da capoeira Angola e sua contribuição (in) formativa.

Silvana Maciel

Este texto pretende discutir a música da Capoeira Angola, enquanto instrumento facilitador para troca de conhecimento. Para isso, uso a própria música como respaldo para aquilo que afirmo no decorrer do texto. Vale aqui ressaltar que o meu interesse pela temática brotou justamente pela significativa importância que a Capoeira Angola tem pra mim (meu lugar praticado) e pelo conhecimento que lá adquiri através do contato com as músicas da capoeira.
Contextualizando o nome Capoeira :
“...conta-se que, quando um negro escravo fugia e o feitor retornava sem conseguir capturá-lo, o senhor de engenho indagava:
___ Cadê o nego?
___ Me pegou na capoeira! Respondia o feitor, referindo-se ao local onde fora vencido...”.
(OLIVEIRA, 1989,P.21)
O termo capoeira = clareira significa, nesse contexto portanto, trecho de mato sem árvores, logo, mato baixo e rasteiro,local no qual o negro, por ter melhor flexibilidade com o corpo, conseguia se esconder sem maiores esforços e assim vencer o feitor.
A música da capoeira Angola
A música é um elemento simbólico cultural e representa um meio de comunicação social em suas diversas expressões: liberdade, dor, tristeza, alegria, protesto etc; permitindo uma troca de idéias entre aquele que canta e aqueles que ouvem, ou ainda, entre aqueles que se comunicam no jogo, por meio de gestos corporais imbuídos do ritmo harmonioso da música que está sendo tocada e cantada. É o caso dos corridos (mantras) que narram fatos momentâneos que acontece dentro do próprio jogo a exemplo do “Apanha a laranja no chão tico-tico, não apanha com o pé, nem com a mão, só com o bico”. Esse corrido é geralmente puxado quando alguém joga dinheiro na roda de capoeira com o intuito de ver um dos capoeiristas pegar a nota com a boca, sem deixar de fazer os movimentos do jogo, aquele que conseguir tal mérito fica com o dinheiro. Um outro corrido, bastante interessante, visa reprimir o capoeirista que no jogo oprime e machuca o companheiro menos hábil ou que tem menos tempo de capoeira que ele: “Não bata na criança que a criança cresce, pois, quem bate não lembra e quem apanha não esquece” ou outro “Seu feitor não maltrate o negro assim, esse negro tem valor seu feitor, não pra você, mas tem pra mim”.
A capoeira consiste em ser uma arte que expressa qualidades humanas através da música, da luta e da dança, qualificando-se numa fonte de conhecimento e de formação de valores, o que garantiu ao negro escravizado uma significação humana, negada a partir das condições indignas às quais o negro foi submetido durante séculos e que se reflete até hoje.
Percebe-se que a música da capoeira Angola segue uma ordem ou hierarquia. O canto de início do jogo da Capoeira Angola é a Ladainha (relato de uma história), em seguida se canta a Louvação (composta de frases curtas que exaltam a Deus, orixás, a pessoa do mestre, outras pessoas, objetos ou algum acontecimento) e por fim o Canto Corrido (versos curtos e repetitivos que exprimem um fato).
A Ladainha é cantada por quem dirige a roda de capoeira (o mestre ou outro responsável), ela tem por objetivo iniciar o jogo relatando uma história / fato sobre alguém ou algo. É um momento de reflexão e de se prestar bastante atenção ,visto que, é nesse momento que começa a troca de conhecimento por meio da música cantada.
Observem algumas Ladainhas selecionadas e a temática que elas abordam em suas letras:
Essas duas primeiras contam versões acerca da origem da capoeira:

Foi correndo dos açoites
(Autor: Lupião)
Foi correndo dos açoites
Foi correndo dos açoites
Fugindo da maltratação
Que a capoeira surgiu
No tempo da escravidão
Uns dizem que veio da África
Outros, nasceu no sertão
Sei que veio do escravo
Fugindo do capitão
Rasgaram a serra bruta
Num branido angustiado
A serra logo calou-se
Num poente ensangüentado
Eram os capitães do mato
Fugindo dos capoeiras
Que na agonia da fuga
Tombavam nas mil rasteiras
Camaradinha...


No tempo que Nego chegava
(Autor: Lupião)
No tempo que nego chegava
No tempo que nego chegava
Fechado em uma gaiola
Nasceu aqui no Brasil
Quilombo e Quilombola
Todo dia nego fugia
Ajudando a curriola
De estalos de açoites
De ponta de faca e zunido de bala
Nego voltava pra argola
Lá pro meio da senzala
Ao som do tambor primitivo
Berimbau, maracá e viola
Nego grita abre ala
Vai ter jogo de Angola
Formosa dança guerreira
O corpo do nego é mola
Na hora da vadiagem
Ele embola e desembola
E a dança era uma festa
Para o povo da terra
Virou principal defesa
Do nego durante a guerra
Câmara...


Há outras que relatam as precárias condições de vida imposta aos negros africanos e afrodescendentes:

Um grito varou a noite
(Autor:Lupião)

Um grito varou a noite
Um grito varou a noite
Na senzala do senhor
Era um gemido sentido
Era um gemido de dor
O negro tinha fugido
No mato se refugiou
Capitão entrou no mato
Para agradar o feitor
O negro deu cabo dele
Mas feriu-se na batalha
Negro foi capturado
Ta sofrendo na senzala
Pois além dos ferimentos
Levou muita chicotada
Câmara...


A religiosidade é muito cantada nas músicas de capoeira, vista como uma proteção necessária e como libertação espiritual do negro escravo.


São Benedito
( Ms. Cláudio)

EU vou fazer meu pedido
Eu vou fazer meu pedido
Para o meu S. Benedito
Porque ele é um Santo negro
Em santo negro eu acredito
Meu santo Benedito
É meu santo protetor
Me proteja nesta roda
Neste lugar onde eu estou
Faca de ponta não me fura
E jamais há de furar
Olho grosso não me enxerga
E jamais enxergará
Arma de fogo não me queima
S. Benedito apagará
Meu santo Benedito
É meu santo protetor
Protegeu o negro escravo
Que era carente de carinho e de amor
Camaradinha...

Quando eu chego no terreiro

Quando eu chego no terreiro
Quando eu chego no terreiro
Trato logo de louvar
Louvo a Deus primeiramente
Louvo meu pai Oxalá
Também louvo o pai Xangô
E a rainha do mar
Peço licença a Deus de Angola
Me dê salão pra vadiar
Camaradinha...


Estas últimas ladainhas, carregam em suas letras a indignação ao vermos na história do Brasil a pouca valorização que foi dada ao negro, principal agente no processo de formação desse país e conseqüentemente, busca desconstruir a falsa história que nos contam na escola da liberdade dada, que oculta a luta daqueles que conquistaram a liberdade nos diversos quilombos em todo o Brasil .

Dona Isabel que história é essa?

Dona Isabel que história é essa?
Dona Isabel que história é essa?
De ter feito a abolição
De ser princesa boazinha
Que libertou a escravidão
Eu to cansado de conversa
Eu to cansado de ilusão
Abolição se fez com sangue
Que inundava esse país
Que o negro transformou em luta
Cansado de ser infeliz
Abolição se fez bem antes
E ainda por se fazer agora
Com a verdade da favela
Não com a mentira da escola
Dona Isabel chegou à hora
De acabar com essa maldade
De se ensinar pros nossos filhos
O quanto custa a liberdade
Viva Zumbi nosso rei negro
Que fez-se herói lá em Palmares
Viva a cultura desse povo
A liberdade verdadeira
Que já corria nos quilombos
E já jogava capoeira
camaradinha



A história nos engana

A história nos engana
A história nos engana
Dizendo pelo contrário
Até diz que a abolição
Aconteceu no mês de Maio
Comprovada essa mentira
É que da miséria eu não saio
Viva o 20 de novembro
Momento pra se lembrar
Não vejo em treze de Maio
Nada pra comemorar
Muito tempo se passou
E o negro sempre a lutar
Zumbi é nosso herói
Em Palmares foi senhor
Pela causa do homem negro
Foi ele quem mais lutou
E apesar de toda luta
O negro não libertou
camará


Era noite em Angola

Era noite em Angola
Era noite em Angola
Quando mataram o rei Zumbi
Sufocaram a liberdade
Mas hoje eu estou aqui
Eu trago a força do vento
Trago a força da maré
Trago a forca de Ogum e de Oxalá
Deus maior do Candomblé
Câmara



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