quarta-feira, 12 de março de 2008

Ato ou efeito de cultivar


Silvana Maciel Pires
silvanamukeka@yahoo.com.br


Para iniciar o que acredito ser, até então, CULTURA, gostaria de levantar um primeiro questionamento para a equipe e demais colegas que queiram contribuir com esta, que penso ser, troca de idéias.

Você acredita que a cultura difere a depender da classe social? Por quê?

Compreendo, a partir de algumas leituras e da análise da minha própria vida, que Cultura, seja um conjunto de experiências e práticas humanas que orientam as inter-relações ao longo do tempo. Porque, partindo de experiências próprias como, por exemplo, a minha habilidade desde o plantar a mandioca, o rançar, raspar e fazer a farinha e/ou beiju, acredito estar fazendo cultura. Bom, uma coisa é fato: esta prática eu não adquiri na escola, mas na minha vivência domiciliar, pois, fui criada por meus avós paternos que viveram quase que unicamente do que plantavam. A renda lá de casa era obtida das roças que meu vovô e vovó cuidavam. São experiências que carrego comigo pra vida toda.
Trago uma citação (LARAIA, 2000, p.46) que me ajudou a formular e compreender melhor o conceito de cultura:

O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam.

E para fazer ponte ao que Laraia afirma eu disponibilizo uma outra afirmação ( REGO, 1995, p.41) que convergem exatamente para ratificar a minha crença:

Vygotsky afirma que as características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são mero resultados das pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética do homem e seu meio sócio-cultural. Ao mesmo tempo em o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo.

Logo, o estudo da cultura torna-se indispensável para a melhor compreensão das experiências humanas , como se estruturam no espaço, como o define e como travam as relações sociais.
A Geografia também é cultura, tem por objeto de estudo o “Espaço Geográfico” (relação homem/ meio) analisando as possíveis interferências positivas ou negativas que as sociedades possibilitam ao longo do tempo, ao meio ambiente e ao próprio homem.

A paisagem é simultaneamente matriz e marca da cultura.
(BERQUE, apud CASTRO,1997)

REFERÊNCIA

· CASTRO, Iná Elias de; CORRÊA, Roberto Lobato: GOMES, Paulo César da Costa (organizadores). Explorações Geográficas: percursos no fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1997.
· CULTURA. In: Minidicionário Luft da Língua portuguesa.São Paulo:Editora Ática, 2005. l
· LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 13ed.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
· REGO, Teresa Cristine. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

2 comentários:

Daniela disse...

Interessante seu texto Silvana, coloca a noção de cultura com o meio que é a chave para o nosso entendimento este semestre. Também gostei das fotos slecionadas. Sugiro que se soltem mais, postando as reflexões que têm feito em nosso encontros, as experiências da rodoviária, fotos e fotos. Um espaço especial para D. Quitéria!

lupião disse...

Gostaria de colaborar com uma letra maravilhosa que fala da cultura de uma forma toda especial.

Sêmen de Mestre Ambrósio
Composição: Siba e Bráulio Tavares


Nos antigos rincões da mata virgem
Foi um sêmen plantado com meu nome
A raiz de tão dura ninguém come
Porque nela plantei a minha origem
Quem tentar chegar perto tem vertigem
Ensinar o caminho, eu não sei
Das mil vezes que por lá eu passei
Nunca pude guardar o seu desenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?


Esse longo caminho que eu traço
Muda contantemente de feição
E eu não posso saber que direção
Tem o rumo que firmo no espaço
Tem momentos que sinto que desfaço
O castelo que eu mesmo levantei
O importante é que nunca esquecerei
Que encontrar o caminho é meu empenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?


Como posso saber a minha idade
Se meu tempo passado eu não conheço
Como posso me ver desde o começo
Se a lembrança não tem capacidade
Se não olho pra trás com claridade
Um futuro obscuro aguardarei
Mas aquela semente que sonhei
É a chave do tesouro que eu tenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?


Tantos povos se cruzam nessa terra
Que o mais puro padrão é o mestiço
Deixe o mundo rodar que dá é nisso
A roleta dos genes nunca erra
Nasce tanto galego em pé-de-serra
E por isso eu jamais estranharei
Sertanejo com olhos de nissei
Cantador com suingue caribenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?


Como posso pensar ser brasileiro
Enxergar minha própria diferença
Se olhando ao redor vejo a imensa
Semelhança ligando o mundo inteiro
Como posso saber quem vem primeiro
Se o começo eu jamais alcançarei
Tantos povos no mundo e eu não sei
Qual a força que move o meu engenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?


E eu
Não sei o que fazer
Nesta situação
Meu pé...
Meu pé não pisa o chão.


Várias Facetas

Como uma colcha de retalhos ora, fortemente costurada, ora sutilmente alinhavada, a cultura se esboça num cotidiano de sensações, acontecimentos e idéias que incitam os desavisados a uma idéia conceitual parcional. Ela possui várias facetas que dependeram de diversos fatores interagindo simultaneamente sob um objeto cultural em questão.
De que tipos de cultura estamos querendo falar quando a situamos num contexto social de desigualdades? Ora, sendo “um conjunto de experiências e práticas humanas que orientam as inter-relações ao longo do tempo”, e eu concordo, fica impossível dissociar o poder aquisitivo e o alcance que esse poder traz para uma pessoa na sua prática de vida diária que refletirá e é refletida pela cultura a esta pessoa associada ou produzida . A cultura é algo dinâmico mesmo quando numa suposta apatia. É grandiosamente pequeno ou singelamente grandioso. Uma pessoa pode influenciar um universo cultural e várias pessoas em conjunto, também o podem. Uma outra possibilidade é simplesmente “vegetar” isolada ou coletivamente e, esse ato também é uma espécie de cultura. A significância dos seus atos pode ser imortalizada se for interessante ou conveniente a uma sociedade ou, simplesmente exalar no ar do sepulcro de quem a emanou. Fica bem explicito o cuidado para não tomarmos por cultura apenas o que nos é conveniente sob pressupostos de uma oligarquia social ou de uma minoria ressentida.
É tão cultural a “guerra do avanço tecnológico” como a “preservação dos miseráveis”. Aliás, o que seria de nós sem os “miseráveis para se ter pena”, para se preocupar? Desde que não sejam nós, não é? Olha aí a cultura do manifestar egoísmo instigado também, numa determinada época, por uma célebre frase de um ex-jogador brasileiro, o Gérson que dizia: “O grande negócio é tirar vantagem em tudo”. Por sua vez, Dadá Maravilha, o único homem depois de um beija-flor que conseguiu para no ar sem recursos externos ao seu corpo, instiga-nos a uma outra reflexão: “Não quero saber da problemática e sim da solucionática”. A solução minha cara e nobre família baiana é não buscar solução, é deixar rolar. È ver e não ligar. E como já dizia o velho Raulzito: “É que pra dormir no celeiro tem que ter o mesmo cheiro do cavalo que é pra não incomodar”. Cultura é tudo o que existe e ainda o que ta pra rolar.
Moro na filosofia da malandragem feirense e, ser malandro hoje pode ter, como quase qualquer coisa que se avalie, diversos sentidos. No sentido a que me refiro, no seio da mandinga da Capoeira Angola, ser vadio é a arte da dissimulação, da persuasão por charme e estilo, da malícia e resistência cultural incorporada para além dos limites de uma roda ou espaço de treino e da persistência em preservar sensações, acontecimentos e idéias que vibraram nas mentes de seres humanos que foram fortemente perseguidos e torturados física e psicologicamente. Ser vadio é manter viva a cultura dos meus antepassados.

“Seu Doto num li dô uvido, minha cabeça ta cheia de idea. O perfumi qui eu uso num é como o seu, sai daqui da minha terra.”

Êeea Angoleiros do Sertão,
Êeea companheira Mukeka.

Lupião.